terça-feira, 14 de setembro de 2010

ENTREVISTA: UM CRISTÃO CABRAISENSE NO HAITI

Segue abaixo uma bela entrevista com o seminarista Rangel Augusto Bredow. Nela, ele conta um pouco da história de um país com inúmeras dificuldades e também nos relata o que esta missão da ONU no Haiti mudou na vida dele.

HISTÓRIA DO HAITI Antes de entrar no que é a Missão da ONU no Haiti gostaria de ressaltar alguns aspectos históricos importantes para esse país caribenho. A ilha de Hispaniola onde se localiza o Haiti foi descoberta por Cristovão Colombo em 1492. No fim do sec. XVI quase todos os índios, primitivos habitantes da ilha já haviam desaparecido. A parte ocidental da ilha, onde fica o Haiti, foi cedida à França pela Espanha em 1697 e renomeada Saint Domingue. O Haiti se tornou um centro de trabalho escravo, e veio a ser o maior produtor de açúcar e café do mundo inclusive tirando mercado do Brasil na época. Após a Revolução Francesa, escravos haitianos se rebelaram e massacraram seus senhores e em 1801 Toussaint I’Ouverture, um ex-escravo, conquistou a ilha para a França expulsando os ingleses e espanhóis e aboliu a escravatura. Em 1803 os Generais Jean-Jacques Dessalines e Alexandre Pétion finalmente expulsaram os Franceses. Em 1804, Jean-Jacques Dessalines proclamou-se imperador e declarou a independência do Haiti, tornando-se a primeira republica negra do mundo e a segunda nação independente nas Américas. Um novo período de instabilidade leva a divisão do país em dois e a parte ocidental onde hoje fica a atual Republica Dominicana é retomada pela Espanha.

QUAL A FINALIDADE DA MISSÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA ESTABILIZAÇÃO NO HAITI (MINUSTAH) A ONU (Organização das Nações Unidas) definiu o objetivo da missão, que é restabelecer a segurança e a estabilidade do Haiti e promover o processo político, fortalecendo as instituições governamentais, assim como promover e proteger os direitos humanos. Com isso desde 2004, a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, chamada de Minustah (sigla em francês), vem atuando nessa função, pois, o país vinha sofrendo com conflitos armados.A missão tem mais de 9.000 integrantes, a maioria militares. No Haiti, o Brasil assumiu, pela primeira vez, o comando de uma operação da ONU. Há 1.266 militares brasileiros.

COMO SURGIU A MINUSTAH A MINUSTAH surgiu logo depois que protestos derrubaram o então presidente haitiano Jean Bertrand Aristide. Ele já tinha sofrido um golpe de Estado em 1991. Mas voltou ao país em 1994, com apoio americano. No ano de 2001, Jean-Bertrand Aristide venceu as eleições presidenciais, sendo que menos de 10% da população votou. A oposição negava-se a aceitar o resultado, criando um impasse. No ano de 2004, com negociações mediadas pela comunidade internacional, Aristide aceitou dissolver seu gabinete ministerial. Antes de passar a presidência ao sucessor, René Preval, do mesmo partido, Aristide extinguiu o exército haitiano temendo novo golpe. Seus integrantes, agora desempregados, formaram exércitos paramilitares e o armamento do Estado caiu na guerra das gangues. No entanto, a oposição continuou insatisfeita, e a violência que surgiu no início do mês de fevereiro na cidade de Gonaïves se espalhou pelo país. As forças rebeldes começaram a ocupar todas as cidades importantes do país, quase sem nenhuma resistência. Com a renúncia de Aristide e seu quase imediato exílio na República Centro-Africana, o Conselho de Segurança das Nações Unidas cria a resolução 1592 de 2004, que solicita a criação de uma força internacional para assegurar a ordem e a paz no Haiti. E se integraram a essa missão até os dias de hoje vários países entre eles: Argentina, Benin, Brasil, Canadá, Chile, Croácia, Equador, Espanha, França, Guatemala, Jordânia, Marrocos, Nepal, Paraguai, Peru, Filipinas, Sri Lanka, Estados Unidos, e Uruguai. Em 2006, foi eleito o novo presidente do Haiti, René Garcia Préval, com ajuda da missão da ONU.


Em 2004, quando surgiram os primeiros boatos da Missão no Haiti não queria nem ouvir falar nela e quando foram chamados militares do Batalhão de Cachoeira do Sul onde servia fiquei aliviado por saber que meu nome não estava na lista. Dois anos mais tarde, quando se cogitou uma nova turma do Batalhão, fui voluntário, pois analisando melhor, a Missão era uma oportunidade impar de crescimento profissional dando sentido aos anos que passei no Exército, também ter a oportunidade de conviver com uma nova cultura em um país totalmente diferente do Brasil e poder ajudar a população de um país que estava passando por terríveis problemas internos uma verdadeira guerra civil (que ainda passa). Após a Missão ter acabado para mim e depois de três anos após ter saído do território de Haiti pude ver que a Missão tem uma importância bem mais ampla que imaginava mais disso vou falar mais tarde. Ao ser relacionado como integrante da Missão, concentrei-me inteiramente nessa tarefa, dando ênfase apenas aos aspectos positivos de integrar uma tropa de Paz da ONU, sem em momento algum enfatizar os problemas que enfrentaria, com risco de morte, a saudade dos familiares, a noiva que ficou aqui no Brasil e principalmente não pensava na despedida que já sabia seria uma das piores experiências vividas por mim, passo antes de embarcar no ônibus que nos levaria ate a Base Aérea de Canoas. Chegada à hora do embarque após meio ano de treinamentos pesados, inspeções de Generais e toda formalidade que uma Missão dessas envolve até perante o governo do estado, partimos no dia 18 de dezembro de 2006, viajamos até Boa Vista Roraima onde pernoitamos.


Ao amanhecer do dia 19 de dezembro de 2006 partimos para o Haiti onde ficamos seis meses. Ao nos aproximar do Haiti vendo o mar de um azul exuberante do Caribe que parece um quadro emoldurado pela janela do avião. Mais alguns minutos de vôo e o cenário paradisíaco assumem os traços cinza de um amontoado habitacional mal-acabado. O acesso às casas se dá por meio de vielas entre muros e tapumes. Um grande cortiço. O último rasante do avião, antes de tocar a pista do aeroporto internacional Toussaint L'Ouverture, em Porto Príncipe, é sobre Cité Soleil - considerada a favela mais violenta do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU). O pouso funciona como ponto de partida para um choque de realidade, uma introdução à experiência que ali se inicia. Ao rumar para base militar é impossível não se surpreender com as dezenas -se não centenas - de transeuntes desocupados pela capital Porto Príncipe, que andam de um lado para outro sem rumo certo já que mais de 70% dos quase dez milhões de haitianos estão desempregados, segundo a ONU. O trânsito é mal sinalizado e na maioria carros velho dominam as ruas ao lado das "tap-taps" (picapessucateados utilizadas como transporte público).

Na base militar brasileira no Haiti, ficamos alojados em contêineres equipados com beliches, armários e ar-condicionado onde se amontoavam oito pessoas. As principais tarefas que nós desempenhamos como tropa de engenharia foi abertura de poços artesianos, asfaltamento de ruas e recuperação de estradas, assistência social em orfanatos, auxílio para as tropas de infantaria na melhoria dos acessos no qual teriam que passar, limpeza de ruas e manutenção nas bases militares dos outros países. Mas falando da missão nos aspectos que mais marcaram na minha vida foram:- A pobreza das pessoas que não tinham praticamente condições de sobreviver dignamente. - Outra situação que me chocou muito foi ver as crianças catando girino e lagartixa para comer. Na minha opinião, essa é maior catástrofe no Haiti o descaso e o alto índice de abandono das crianças que lotam os orfanatos. - As pessoas idosas também são abandonadas, pois se tornavam um peso no difícil sustento familiar e muitos passavam a viver nas ruas.

- Uma situação dramática é a ausência de Saúde Publica e o que marcou muito foi quando um pai chegou próximo de uma das obras que estávamos e nos contou que sua filha estava com apendicite e não tinha dinheiro para fazer a cirurgia. Naquele momento ele precisava de 600 dólares e nos pedir o dinheiro, mas nos não pudemos ajudar aquele senhor uma porque era proibido e outra porque não dispúnhamos daquela quantia de dinheiro. - Um aspecto cultural dos haitianos que me causou um choquel é o descaso com os corpos das pessoas que morriam, muitos ficavam jogados até que alguma instituição recolhia. Alguns corpos eram utilizados nos rituais de vodu que é praticado por mais de 75% da população. - Sem contar à violência que era um aspecto preocupante perante uma sociedade em conflito, certa vez houve um tiroteio a menos de 100 metros da base militar brasileira, o que me preocupava muito. - As pessoas que tinham emprego trabalhavam praticamente em regime de escravidão, pois trabalhavam 12 horas por dia e ganhavam o equivalente a 40 dólares por mês.


Para finalizar gostaria de retomar o assunto que diz respeito à importância da missão na minha visão, principalmente após o terremoto de janeiro de 2010, de ver como Deus é bondoso mesmo nas catástrofes pois já estava lá à ajuda militar da qual os haitianos estão precisando muito.O que vivi na Missão de Paz para o Haiti foi algo que me fez refletir muito sobre valores e meio de ver a vida, pois mesmo com todos os problemas e dificuldades que aquelas pessoas passam elas conseguem ser receptivas e demonstrar felicidade sem nem mesmo ter a certeza de ter um prato de comida e nós por muitas vezes reclamamos da vida e temos todas as condições e conforto para viver tranquilamente. Tive a oportunidade de prestar meus serviços no Haiti como militar e agora estudando no Seminário para ser um pastor Luterano quem sabe um dia não apareça à oportunidade de voltar lá e prestar serviço a Deus pregando Cristo para todos na doutrina Luterana, vontade não me falta.


RANGEL AUGUSTO BREDOW

Estudante de Teologia do Seminário Concórdia de São Leopoldo, RS.

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